Solilóquio 2
Precisei chegar aos 84 anos para
entender Ruy Barbosa e concluir, “É, hoje tenho vergonha de ser
brasileiro”. Não, não confundam “ser brasileiro” com “haver
nascido no Brasil”. Não! A vergonha que me queima o rosto e
o faz arder, é aquela que surge da constatação do ponto a que chegamos. Onde
foram parar a honra, a honestidade, a moral, a cultura, os chamados “bons costumes”, o respeito ao nome de
família, as amizades e outras tantas posturas, hoje consideradas meras velharias.
Quando criança aprendi a nadar no rio
Tietê. Sentia-me um verdadeiro curumim, mergulhando em águas límpidas e podendo
contemplar deslumbrado os pequeninos “pitus” perseguidos pelas traíras, lambaris
e outros peixes maiores e isso bem ali, na Penha, nos arrabaldes da cidade de
São Paulo.
Freqüentei o “catecismo” e na minha
inocência de criança passei a acreditar e a respeitar os dogmas da Igreja, que
hoje nem os religiosos respeitam, e não sei se ainda acreditam.
Aprendi também os mandamentos: “não
matarás”, ”não roubaras” e outros oito “não farás” que hoje
viraram “é isso ai mano”.
Era despertado aos domingos pelo som
suave e melodioso dos sinos da Igreja convocando os fieis para o ofício
religioso. Uma vez no templo, guardando o mais absoluto silêncio, ouvíamos o
coro entoar cânticos que nos permitiam a mais completa interiorização e só eram
interrompidos, por breves instantes, pela fala do padre, numa língua que para
mim só ele era capaz de entender.
“Cresci ouvindo “Serestas”, “Chorinhos”,
“Fados”,
“Cançonetas
italianas” e ” zarzuelas” que me levavam a viajar
pelo mundo, como dizíamos nas asas das canções.
Fui ensinado a cantar o “Hino”
e a contemplar a ”Bandeira Nacional” onde lia cheio
de orgulho e patriotismo o dístico “Ordem e Progresso”. Por acaso saber-me-iam
dizer aonde foram parar? A desordem tomou conta de tudo, a tecnologia
desembestou destrambelhadamente a ponto de congestionar o trânsito pelo excesso
de veículos, os celulares a tornar as pessoas refratárias ao convívio social
com o focinho enfiado doentiamente nas suas telas, a televisão só a mostrar
desgraças e a berrar em nossos ouvidos propagandas, na maioria das vezes de uma
imbecilidade à toda prova e que dizer então dos tristes programas chamados de
humorísticos, nos quais a licenciosidade passou a ser engraçada e o humor ficou
apenas nas calendas, respeitar apenas uma lei, a “Lei de Gerson”.
Fui orientado a respeitar “os
mais velhos”. Na condução, a dar o lugar às mulheres, aos idosos, ou a
qualquer pessoa mais necessitada dele do que eu. A tratar, não apenas os mais idosos,
mas também os desconhecidos e às vezes até os mais novos, por Senhor e Senhora,
uma deferência que a juventude de hoje chacoteia dizendo ser cafonice.
Fui educado a respeitar os professores,
mesmo discordando deles.
Virei leitor assíduo de Monteiro
Lobato, de Érico Veríssimo, de Machado de Assis e mais tarde tomei-me de amores
pela obra de Mário de Andrade, de Guilherme de Almeida, de Manuel Bandeira, de
Drummond, tendo como fundo musical os sons inigualáveis das músicas de Bach, de
Beethoven, de Mozart, de Schubert, dos nossos Carlos Gomes e Villa-Lobos e por
que não, do meu ídolo, Luiz Gonzaga. Isso não impediu a minha admiração por Tom
Jobim, por Martinho da Vila e pelas rodas de samba.
Os meus vícios de jovem, compartilhados
por grande parte da minha geração eram: a bola ao cesto, o futebol, o
aeromodelismo, o jogo de xadrez, os bailes de formatura e o permanente convívio
social, mantido através da formação de clubes de rua, de grêmios esportivos e
escolares, da participação em eventos culturais e principalmente pela atitude jamais
desprezada de dedicação ao estudo. Honestidade não se discutia. Ou se era
honesto ou desonesto, não havia meio termo. O “mais ou menos honesto” que
veio muito depois.
A “Palavra” valia por uma assinatura e
não era preciso reconhecer “firma”.
Havia políticos corruptos? É evidente
que sim, no entanto, se comparados à maioria dos de hoje, poderiam ser
confundidos com um grupo de Frades Capuchinhos.
Os ladrões não passavam de hábeis “batedores
de carteira”, verdadeiros artistas prestidigitadores, vistos como heróis
românticos, como foi o ousado Gino
Meneghetti, verdadeiro “Robin Wood” do Brás.
Por falar nisso não sei se bem ou mal
comparando, me vem à cabeça os Bancos e a Receita Federal. Lembro-me que a
primeira conta que tive em um banco rendia juros diários, não havia cobrança de
manutenção ou de abertura, os talões de cheques eram um direito do correntista
e não se perdia tempo em filas, apesar dos “caixas” conferirem todas as
assinaturas.
Supermercados não eram vistos nem no
cinema, o que existia eram “Vendinhas” onde comprávamos os
mantimentos do mês, sendo as compras anotadas “a lápis” em pequenas
cadernetas de apontamentos que os fregueses levavam para casa e quitavam no
final do mês.
O rádio era o mundo dentro de casa.
Transmitia notícias, entrevistas, apresentava novelas e programas de auditório.
O humorismo era sadio e realmente
engraçado. Feliz quem chegou a ouvir o “Nhô Totico” e a sua “Escola
Risonha e Franca”, o “Zé Fidelis”
com a sua caricata e exagerada pronuncia lusitana, e o “João bobo”? Interpretado
por Durvalino
Bottini? Que pena, uma comicidade limpa e inteligente que se perdeu, sendo
substituída por piadas xulas e grotescas próprias de indivíduos destituídos do
mínimo senso de humor, sensibilidade e respeito à inteligência alheia. Palavras
de “baixo
calão”, como se dizia, nem nos campos de futebol. Hoje vemos e ouvimos - nesses mesmos campos -
jogadores e os próprios treinadores, agora chamados pomposamente de “professores”,
bem vestidos e endeusados, a cuspir impropérios pensando, talvez, que com isso aparentem
ser mais machos que os demais. Na sua inculta imbecilidade ainda não perceberam
que a única coisa que carregam na boca é a genitália masculina.
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