Solilóquio 1





Sérgio de Vasconcellos-Corrêa

Às vezes me pego a matutar em voz alta. Foi o que aconteceu ainda hoje, quando dei por mim a questionar, encafifado, sobre a concordância que hoje fazem ao usar o numeral masculino referente à unidade de medida de massa, juntamente com o nome dado às gramíneas que costumam forrar os jardins, o substantivo feminino que o segue. Dava tratos à bola na tentativa de atinar com a lógica gramatical, que é taxativa, Deve-se distinguir “o grama” de “a grama”. A palavra grama é masculina quando designa unidade de peso e feminina quando significa relva. Confesso que cultivo uma teimosa resistência em aceitar tal preceito, pois, não posso conceber que ao chegar ao balcão de frios do supermercado, vá pedir ao balconista duzentas gramas de presunto e o infeliz desembeste às carreiras, até o jardim, a fim de apanhar duzentas gramíneas para atender ao meu pedido. Dentro do mesmo contexto, passa-me pela cabeça outra dúvida, podem até dizer que estou sofismando, ou que nada entendo de gramática, concordo, mas; admitindo que a palavra grama esteja sendo empregada no sentido de relva, devemos entender que ela se refere a todo o gramado ou a apenas a uma folhinha do mesmo? Sei que um conjunto de pequenas folhas compõe o gramado e é ai que o mato pega, se a pequena folha é uma grama, o conjunto delas, o gramado como um todo, não deveria ser usado no plural? As gramas do jardim e não ”a grama” do jardim? Já tentaram me doutrinar dizendo que a polêmica que envolve a palavra, quando usada com significado de peso, deve manter concordância com o numeral masculino uma vez que este provem de quilograma e quilo é um vocábulo masculino. Ora, assim sendo pergunto: porque os dicionários definem a controversa palavra dizendo que grama é a unidade de peso no sistema métrico decimal, que corresponde à milésima parte do quilograma e não, que grama é O unidade de peso etc...etc... , A meu ver a unidade de peso seria “o quilo” e não “a grama”, talvez pelo fato da palavra originar-se, desde priscas eras, da quantidade de gramas necessárias para formar o peso do que viria a ser um quilo, estou errado? Já sei, vão alegar que estou com paralogismos para tapeá-los ao omitir o artigo masculino que deveria anteceder a palavra grama, ou seja, o grama é. . . Nesse caso, hão de convir comigo, existe aí um artifício discutível, proveniente talvez da formação da própria palavra, quilograma, para mim o resultado do estabelecimento do conceito de peso (quilo), um numeral de valor equivalente a soma do peso de milhares de pequenas folhas, merecendo portanto, nesse caso, a predominância sobre o substantivo feminino meramente casuístico. Confesso que jamais me passou pela cabeça, comer um quilo de capim. Essa cisma me veio à cabeça ao lembrar-me de um amigo de meu pai a quem todos chamavam de “pé de lápis”. Não entendia o porquê de tal apelido uma vez que o homem tinha para mais de um metro e noventa e pés enormes. Encucado, perguntei a meu pai qual a razão dessa alcunha e veio a resposta: “não é pé de lápis”, é “Pede lápis”, isso porque ele gosta muito de palavras cruzadas e nunca traz um lápis para resolvê-las. Esclarecida essa, outras dúvidas vieram: “Pé de moleque” ou “Pede, moleque”, “Pé de Valsa“ ou “Pede Valsa” e agora o quilograma. Não espero que concordem comigo. Posso estar tremendamente errado. Mas, certo ou errado, vou continuar a pedir o peso de duzentas, trezentas, oitocentos ou mais, gramas de mortadela.

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