Solilóquio 5

                                              (2ª parte)

                                                                                                                                                                                                                                                  Sérgio de Vasconcellos-Corrêa                                   
                                                                                                              10-07-2018
Dando continuidade aos comentários provocados pela leitura do tal artigo sobre o uso dos instrumentos de percussão como naipe autônomo, destaco mais um parágrafo, absolutamente inaceitável, no qual o complexo de vira-lata aparece confirmando as palavras da psicóloga Miriam Barros- "Quem sempre se vê em desvantagem em relação aos demais se coloca no papel de vítima, de eterno perdedor. É um sinal de extrema insegurança, de quem não sabe valorizar o que tem, pois nem sabe o que tem", Êta! Doutora porreta, essa sim, sabe o que fala e fala bonito, ironizou o meu imprevisível e secreto confabulante, levando-me a concordar com ele. Onde já se viu, dizer: “A assimilação da forma mais sistemática da percussão pela música de concerto brasileira se deu apenas após a sua legitimação pela “matriz” europeia”.
Confesso que a princípio fiquei aturdido, sem entender muito bem essa afirmação.  Como “Matriz europeia” se foi um norte-americano, George Antheil, o primeiro a emancipar os instrumentos de percussão quando escreveu o seu (Ballet Mécanique - 1924)?
O que o levou a citar o francês Edgard Varese (Ionisation - 1931) e John Cage, outro norte-americano (Constructions- 1941), ignorando o russo Dmitri Shostakovich (Interlúdio da ópera “Les Nez”- 1928) e principalmente o cubano Amadeo Roldán, este sim o primeiro a compor uma obra exclusivamente para instrumentos de percussão (Rítmica V – 1929) e deixando de citar o húngaro Bela Bartok (Sonata para dois pianos e percussão – 1937), dando a entender que só mais tarde os brasileiros assimilaram de modo mais sistemático o uso da percussão na música de concerto, dando a entender que copiaram a “matriz europeia”. Se formos olhar sob esse prisma, teremos que separar o joio do trigo, adotando a ordem cronológica, sem estabelecer critérios de valor. Eu diria que o precursor foi Dmitri Shostakovich (1928) que adotou o uso da percussão em um trecho da ópera “O nariz”; que o cubano Amadeo Roldán foi quem realmente iniciou a prática instrumental totalmente percussiva e que os demais, dos mais diversos países, passaram a adotá-la. No Brasil, quem primeiro escreveu uma obra usando apenas o naipe da percussão foi Camargo Guarnieri, com um Estudo para instrumentos de percussão (1953). A seguir, Sérgio de Vasconcellos-Corrêa, ou seja, Eu, incentivado pelo percussionista Claudio Stephan, passei a usar os instrumentos de percussão de modo metódico e ordenado, como pode ser conferido pelas datas das composições, iniciando a partir de 1956 com a obra “Mociba Ogum Dê” para solista, coro e percussão. Em 1969 compus o “Concertante” para Percussão, Orquestra e fita magnética, recentemente apresentado pelo GRUPO - Grupo de percussão da UNICAMP dirigido por Fernando Hashimoto com a Orquestra Sinfônica da UNICAMP sob a regência da Maestrina Claudia Feres – Devo dizer que a primeira audição dessa obra deu-se no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 14 de maio de 1970 pela Orquestra Sinfônica da Rádio MEC sob a regência do Mto e Compositor Alceo Bocchino - Em 1972 escrevi o Forró do eu sozinho (Polivalência), para Flauta Doce, Tamborim e Agogô, destinado a um único percussionista. Em 1973 foi a vez da Tocata em forma de fuga para Tímpanos ou Tom-tons, de 1974 é o Divertimento a seis (Forró do Dodô) para conjunto de percussão e finalmente em 1976 o Concerto para piano e orquestra de percussão (vinte e três instrumentos) intitulado de Potyron[1]. Agora pergunto: Já que todas essas obras foram apresentadas publicamente, muitas delas gravadas e outras premiadas em Concursos de Composição, o que leva os pretensos estudiosos a ignorá-las? Muito pode ser dito sobre o assunto, no entanto, prefiro deixar que o leitor tire as suas conclusões.                                                                     




[1] Palavra indígena cujo significado é “trabalhando juntos com as mãos”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Solilóquio 1